Governo Lula trava demarcação de quilombo no Piauí cobiçado por mineradora e políticos
A Secretaria Municipal de Saúde mobilizou uma força-tarefa com as demais secretarias, que se uniram aos Agentes de Combate às Endemias (ACE) e Agentes Comunitários de Saúde (ACS)

O dia 20 de novembro de 2024 começou com expectativa e terminou com frustração para os cerca de 7 mil moradores do Quilombo Lagoas, no sul do Piauí.
Notícias vindas de Brasília davam conta de que aquele Dia da Consciência Negra seria também um marco histórico para a comunidade quilombola, a maior do Nordeste. O presidente Lula (PT) enfim assinaria o decreto de desapropriação de propriedades privadas dentro do quilombo, o que permitiria avançar no pedido de titulação da área, aberto em 2008. A rubrica, porém, não veio.
“Só pode ser por conta da mineração. Não tem outra coisa”, declara Claudio Teófilo Marques, 72, vice-presidente da Associação Territorial do Quilombo Lagoas. Ele é nascido e criado no local, reconhecido pela Fundação Cultural Palmares em 2009, mas ainda em processo de regularização. O apoio ao projeto minerário pelo governo estadual, comandado pelo PT desde 2015, estaria travando a titulação do quilombo, segundo pesquisadores e um defensor público ouvidos pela Repórter Brasil.
Recheada de jazidas de minério de ferro, parte da área do quilombo é cobiçada pela SRN Mineração S.A., uma holding paulista que incorporou várias empresas piauienses com direitos minerários na região. Um dos sócios da firma é um influente político local, Luís Coelho da Luz Filho.
Prefeito de Paulistana (PI) de 2005 a 2012, Coelho abriu várias empresas de mineração nesse período. Após deixar o cargo, ele participou da formação da SRN Mineração S.A. e de outras companhias nesse segmento, antes de assumir uma função-chave: a de secretário estadual de Mineração, Petróleo e Energias Renováveis. Exerceu o posto de fevereiro de 2015 a abril de 2018, durante o governo de Wellington Dias (PT), atual ministro do Desenvolvimento e da Assistência Social de Lula.
Para o defensor público federal Benoni Ferreira Moreira, que tem atuado junto aos quilombolas no processo de demarcação, políticos do Piauí estão pressionando o governo Lula para que o decreto esperado pela comunidade não seja assinado. “O governo do Piauí vê a demarcação como um obstáculo ao desenvolvimento do estado por meio da exploração de recursos naturais”, afirma.
A visão é compartilhada pelo pesquisador Judson Jorge, da Uespi (Universidade Estadual do Piauí), para quem é evidente o desinteresse do governo estadual na demarcação do quilombo. “Há uma opção declarada no Piauí pelo modelo de desenvolvimento primário exportador. O Quilombo Lagoas é visto como um entrave pelo governo”, diz o professor, autor de uma tese de doutorado acerca dos megaprojetos de mineração no estado.
“Votamos no Lula, fizemos campanha. Mas nunca imaginamos passar por uma frustração tão grande”, conta o líder quilombola Cláudio Marques. A expectativa era alta para a assinatura ainda do decreto ainda no ano passado, porque todas as exigências do governo federal haviam sido cumpridas.
Em 2023, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) publicou uma portaria reconhecendo o direito dos descendentes de escravizados àquelas terras. Uma reunião entre lideranças locais e servidores federais ratificou, meses depois, o cumprimento dos trâmites necessários para a assinatura presidencial.
Dez dias após o Dia da Consciência Negra, Lula chegou a firmar a desapropriação de propriedades em favor da demarcação de 15 quilombos em oito estados. Mas o Quilombo Lagoas não foi incluído. “Ficamos sem entender nada”, lembra Marques.
Procurado pela Repórter Brasil, o Incra confirmou que já cumpriu todas as etapas que lhe cabem no processo de titulação do quilombo e que, agora, “aguarda a assinatura do Decreto de Interesse Social”. “A competência da assinatura é da Presidência da República”, acrescentou.
A reportagem procurou a Casa Civil da Presidência, por e-mail, em 3 de abril. No dia seguinte, o órgão respondeu que o Ministério da Igualdade Racial se pronunciaria até o dia 8. Em 29 de abril, o ministério informou que enviaria uma resposta conjunta com a Casa Civil, mas não o fez até o momento.
A Presidência da República também foi questionada sobre o decreto. Não respondeu.
O governo do Piauí, por sua vez, declarou apoiar a política nacional de titulação de quilombos, tendo implementado diversas ações nos últimos anos. A gestão afirmou também que apoia “empreendedores que desejem atuar com respeito às normas ambientais vigentes” e “sem conflito com as comunidades tradicionais que estejam sobrepostas ou com as quais mantenham limites”. Confira mais respostas do governo do Piauí ao longo do texto e, neste link, a íntegra do posicionamento.
A Repórter Brasil tentou contato com Luis Coelho por meio da SRN Mineração S.A. e de outras empresas das quais é sócio. Também buscou contato com o ex-secretário por meio do diretório do MDB no Piauí, partido do qual ele foi filiado, e da assessoria de imprensa do senador Marcelo Castro, presidente estadual da legenda. Até o fechamento desta matéria, no entanto, a reportagem não conseguiu contatar o político. A SRN também não se manifestou até o momento. O texto será atualizado se os posicionamentos forem recebidos.
Coelho conciliou cargo no governo com negócios na mineração
Médico obstetra, dono de hospital e servidor estadual da Saúde, Dr. Luís Coelho, como é conhecido, atuou nos últimos anos dos dois lados do balcão: como gestor público de mineração e empresário do setor.
Até 2008, ano da sua última vitória eleitoral, Coelho não tinha negócios no ramo, de acordo com sua prestação de contas à Justiça Eleitoral. Mas isso mudou em 2010, quando se envolveu na criação de várias mineradoras, segundo dados da Receita Federal compilados pelo Cruzagrafos, a plataforma de dados públicos da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).
Por volta de 2010, o Piauí despontava como a “nova fronteira da mineração no país”, com abundância de minerais diversos, segundo o Ibram. Coelho aproveitou o boom.
Entre 2006 e 2015, antes, portanto, de assumir a secretaria piauiense de mineração, Coelho e oito empresas das quais é sócio protocolaram 139 requerimentos na ANM (Agência Nacional de Mineração), para pesquisas de minérios de ferro, cobre, manganês, calcário, talco, arenito, diamante, entre outros, em várias regiões do Piauí. Dos 139 pedidos, 96 continuam ativos, segundo levantamento da Repórter Brasil no banco de dados da agência federal.
Algumas dessas empresas já foram extintas, outras foram incorporadas à SRN Mineração S.A. e pelo menos duas continuam ativas: a holding paulista e a Valverde Geologia. Em ambas, Coelho tem como sócio, entre outros, o empresário Marcelo da Silva Prado, presidente da SRN Mineração S.A.
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